Relato 3

Aos 20 anos me atraí por um cara mais velho. Tinha acabado de sair do meu primeiro relacionamento sério, que durou 4 anos. O cara que me interessei era professor da universidade que eu estudava, mas não achei que houvesse problema de me relacionar com ele porque não era professor do meu curso.

Fiz o primeiro contato com ele e, ao me encontrar num corredor da universidade ele me chamou pra tomar uma cerveja. Conversa boa, transamos. Desde o primeiro contato eu sabia que ele tinha ficado com uma professora minha, que mais tarde seria minha orientadora. Mas não pareceu sério. No primeiro encontro as conversas e as transas foram intensas. Ele era o segundo cara com quem transava, tinha 11 anos a mais que eu e era incrivelmente sedutor. Me perguntou se eu tinha histórico de DST e pediu pra não usar camisinha. Deixei. Nós transamos muitas vezes eu um período de 20 dias. Nesse período, soube que ele ficava com uma menina de 17 anos, mas que tinham terminado a relação.

O cara viajou para as festas de final de ano e passou duas semanas fora. Nesse no dia em que ele chegou eu descobri que estava grávida. Não tive tempo de pensar em nada. O intervalo de tempo que tive entre saber o resultado do teste e encontrá-lo foi de menos de três horas. Eu liguei pra ele e pedi que ele me encontrasse na casa da minha irmã. Os pensamentos que passavam pela minha cabeça foram "como vou criar?", "decepcionei minha mãe", "preciso que essa criança seja feliz, não posso dar a infância que tive", entre outros.

Ao chegar ele olhou o teste e disse que seria um filho bastardo. Ele não amaria. Começou a falar de aborto e pediu pra sair da casa da minha irmã. Me levou pra casa dele com a roupa que eu tava. Fiquei três dois dias sem falar com ninguém. Ele me dava uísque e falava sobre como eu seria sozinha e ninguém iria me querer. Como esse filho seria sem estrutura. Como era um erro tê-lo. Começou a usar de sua filosofia. Eu não pensava. Eu desejava que um filho fosse feliz. Não podia deixar que uma criança pagasse por um erro meu. Não podia dar essa existência a ela. Não podia dar esse pai. Não podia. Não conseguia pensar em outras possibilidades. Foram dias muito difíceis. Não conseguia. Não podia.

Àquela altura, fotos nossas já estavam em nossas redes sociais. Nós nos relacionávamos na frente de todos. A universidade, pequena, sabia. E doeu muito. Alguns amigos na época ajudaram a conseguir os medicamentos necessários para o aborto ser realizado. Ele fumava e bebia enquanto eu sentia dor. Ele queria ver o feto de quatro semanas no vaso sanitário. No segundo dia de procedimento de sete dias ele me pediu pra limpar a casa com ele. Ao me recusar, ele me levou pra casa. Em um dos dias de procedimento, em que voltei pra casa dele, o cara falou que ia transar com a pessoa mencionada no texto porque eu não podia transar na hora.

Conversamos sobre continuar tendo uma relação e eu concordei em usar anticoncepcional se ele não transasse com outras pessoas. Então ele tinha uma escolha. E eu estava muito apaixonada. Horas depois, avaliando a situação e longe dele, liguei terminando tudo.

O cara não deu um sinal de vida pra saber se eu precisava de assistência médica ou psicológica depois. A volta às aulas na universidade foi uma tortura. Vê-lo com a pessoa mencionada foi muito difícil. Uma aluna dele de 17 anos. Foi muito difícil. Vê-lo falar comigo como se nada tivesse acontecido era muito difícil. Ver os amigos da época desmerecerem minha dor era muito difícil. E eu fiquei tanto tempo desabafando com qualquer pessoa, me expondo pra qualquer pessoa.

Eu fiquei tanto tempo saindo da lucidez, buscando conforto em álcool e maconha. Foram dias confusos. Dias tristes. Tinham processos dolorosos porque pouco tempo antes de tudo isso acontecer eu havia rompido com a igreja católica, mas não totalmente com a fé. Em um dos momentos de fuga eu mandei vários áudios pra ele no meio de uma festa, esculachando. Falei sobre equidade (porque uma das coisas que ele jogou na minha cara foi a falta de grana), sobre a aparência dele (disse que ele era feio, mesmo não achando), e o quanto tinha me decepcionado.

Nesse ínterim, através do movimento estudantil, eu a outra estudante nos aproximamos e conversamos sobre o que tinha acontecido e as mentiras que ele havia contado. O quanto ele tinha sido abusivo conosco e enfim.  A professora que havia se relacionado com esse cara se tornou minha orientadora e, segundo ela, ao ouvir um desabafo dele, começou a tentar nos juntar. Nesse desabafo, ainda sobre essa mulher, ele dizia que se arrependeu do que fez comigo e que queria ao menos conversar, tentar uma reaproximação para ter paz. Rolou uma série de desabafos com ela. Ela desabafou muitas de suas questões comigo.

Ao me reaproximar dele e até transar de novo, percebi a burrada que estava fazendo. Percebi o quanto era ridículo depois de tudo. E percebi o quanto eu não merecia passar por aquilo. Ele conseguiu ficar comigo e ficar com ela de novo. E de novo eu saí da situação. De novo eles voltaram a ficar juntos. Foi menos difícil. Comecei a viver outras coisas e me relacionar com outros amigos e outras pessoas. A relação com a professora, que me orientava no TCC. foi ficando cada vez mais tóxica. As cobranças passavam por ela querer que eu levasse sopa na casa dela e limpasse enquanto ela estava doente. Mas não era um pedido de ajuda. Era uma ordem. Ela começou a me cobrar coisas e me mandar áudios gritando. Comecei a me afastar. 15 dias antes de defender meu TCC, num dia de ensaio de apresentação no grupo de estudos, comento um post de um colega de universidade, que falava sobre a incoerência dos professores da universidade em relação a justamente temas como o aborto.

Não vejo os os comentários, apenas o texto, e comento: "pois é, fulano, a primeira pergunta que uma mulher sem condições faz é se ela tem como sustentar um filho. Como dizia Simone de Beauvoir, a biologia nos traiu." Esse comentário foi respondido pela minha orientadora 15 minutos antes de eu ensaiar a apresentação da minha no meu grupo de estudos. As respostas foram: "Engraçado você falar isso, fulana, e omitir suas próprias vivências. Hipócrita. Jovens e suas falácias.""Aborto dói, fulana?" "Ser feminista de Facebook é fácil. Esquecer que usou meu colo também. Hipocrisia e falsidade."
Entre outros comentários. Após a apresentação, me dirigi ao colegiado, chamei o vice coordenador e mostrei o post.

Expliquei-lhe que não falaria com ela e pedi ajuda para resolver por causa da apresentação final do TCC. Ela veio atrás e começou a fazer um escândalo. Eu gritei. Chorei. Pedi que ela saísse de perto de mim. Fui embora.
Não sabia o que fazer. Queria processá-la, mas as pessoas me falaram pra deixar pra lá. A defesa foi uma bosta. Não a processei. Não tirei a nota que queria. Não foi um dia feliz.

O retorno às aulas pra pagar as matérias que ainda faltavam foi sufocante. Ter aulas com ela foi sufocante. Ver tanto ela quanto o cara conversando juntos foi sufocante. Fazer queixa dela na ouvidoria foi sufocante. Ela me tratava diferente, soltava indireta.

Ter crises depressivas tem sido sufocante. É sufocante ver a universidade negar o pedido de acompanhamento especial mesmo com laudo psicológico. É sufocante a universidade não ter feito nada até agora. Foi sufocante. É sufocante. É sufocante não conseguir me relacionar com pessoas. É sufocante o discurso libertário que na prática protege agressores. É sufocante se sentir fraca.

- Seguidora Anonima, @maselenuncamebateu

Comentários

  1. Força, moça. Eu espero que sua fé não tenha sido abalada e Deus te ajude. Tente dar a volta por cima, quando você terminar a faculdade tudo vai ter valido a pena e não se culpe pelo aborto. Só de estar contando a história você já é uma mulher incrível, por favor não desista (tem uma frase que sempre uso, minha mãe sempre diz: Deus proverou, Deus proverá, e sua misericórdia não faltará).

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